[Diário de leitura] Crime e Castigo

August 12, 2015

“(…) finalmente pus em prática uma maneira de dominar o coração feminino, a qual a ninguém engana, mas nunca perde o efeito; refiro-me à lisonja. Se uma nota falsa se misturar à franqueza, produz-se logo uma dissonância e há escândalo. A lisonja, porém, nem por ser apenas mentira e falsidade, continua menos agradável; é acolhida com prazer, prazer vulgar, se quiser, mas nem por isso é menos real. E, por mais grosseira que seja, a lisonja, parece-nos sempre encerrar uma parte de verdade. É fato comprovado para todas as classes sociais e todos os graus de cultura. Até uma vestal lhe é acessível. Não falo do comum das pessoas. Não posso lembrar-me, sem deixar de rir, de como cheguei uma vez a seduzir uma senhora moça, totalmente dedicada ao marido, aos filhos, à família. Como era divertido e fácil! E ela era realmente virtuosa, pelo menos à sua maneira. Toda a minha tática consistia em humilhar-me diante dela, inclinando-me perante sua castidade. Lisonjeava-a abertamente e mal obtinha um aperto de mão, um olhar, eu me censurava amargamente de os ter arrancado à força, enquanto ela me resistia de tal forma que nada teria conseguido se não fora o meu desavergonhado caráter. Eu imaginava que em sua inocência, não havia podido adivinhar a velhacaria, caindo na cilada sem o saber, etc. Afinal consegui o que queria; ela ficava persuadida da sua pureza e julgava não se ter perdido senão por acaso. E como ficou furiosa quando lhe disse estar sinceramente convencido de que ela havia só procurado o prazer, como eu!” Crime e Castigo, Fiódor Dostoiévski, pág 262 v.2, tradução de Rosário Fusco.

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